quinta-feira, abril 30, 2020

Tristeza de profissão :-(

Um pensamento não me larga...”odeio ser enfermeira” odeio esta profissão de merda, mal paga, desconsiderada, onde não te podes revoltar porque tratas de pessoas, “sais fora de horas” porque tens pessoas que precisam de ti, porque são pessoas vulneráveis a quem nunca poderias não cuidar, não porque te pagam mas porque é o instinto mais natural no ser humano.
Não progrides na carreira, mas progrides na responsabilidade, o impacto na vida da comunidade e do outro aumenta mas não aumenta o teu salário. E com o teu salário de merda (principalmente quando comparado com outros) tens de viver...
Vês toda a gente à tua volta bem, pessoas que trabalham em frente a computadores, que gerem “projetos”, que fazem sabe Deus o quê...
Tou farta deste mundo virado ao contrário. Farta.
Farta de sentir que não poderia ser nada de diferente daquilo que sou, que na sua essência adoro ser enfermeira mas que ser desrespeitada ano após ano após ano me deixa a sentir-me um bocado de merda.
E agora este vírus só veio aumentar este sentimento... trabalhar presa dentro de fatos, viseiras e máscaras que nos sufocam, luvas em cima de luvas em cima de luvas, sem poder sequer comunicar efetivamente com os doentes que já por si estão ali, numa cama de hospital, sem visitas, atrás de uma porta fechada... dói na alma, é confuso trabalhar assim, atirada para um serviço de internamento onde estou a conhecer os colegas pela primeira vez e em quem tenho de confiar de olhos fechados. Adquirir novas formas de trabalhar e comunicar, com uma máscara de tal maneira fixa na cara e durante tantas horas que no outro dia acordei e levei as mãos à cara para tirar a máscara :-/
Tudo é contra natura e tudo teve de se tornar rotina numa hora, num segundo... e estás em modo “sobrevivência”, e vais ultrapassando uma e outra dificuldade, pingas de suor por debaixo de batas impermeáveis com as quais prestas cuidados a quase 30 doentes...
Falas com os confusos, tentas puxar por eles para que te falem de filhos e netos e profissões e histórias de vida, alguma coisa que os faça conectar ao mesmo tempo que olhas para o estado geral, para sinais de dificuldade respiratória... estás em cima do doente e ele tosse para cima de ti e de repente lembraste que tem covid... que agora é tu que tens as gotículas em ti e que ou cumpres todos os passinhos quando tirares o fato ou ficas infetada... mas é tanta coisa a cumprir e tão fácil errar... mas não podes ter medo, não podes mesmo, isso fará de ti uma pessoa paranoica... E nós não queremos isso. Mas se te infectares sabes que pelo caminho infectas as tuas filhas e o teu marido asmático...
Sinto que há uma injustiça social tremenda, as pessoas não sabem o valor que tem cuidar do outro, protegê-lo e tratá-lo com toda a dignidade que qualquer ser humano merece. Talvez o saibam quando precisam, mas rapidamente o esquecem...
Não somos mais que os outros, mas também não somos menos e é triste saber que somos lixo nesta sociedade L